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Anseio de se esfregar, desejo de
transar, vontade de gozar. Muitas imagens têm esse poder sugestivo e
relembram a condição humana bestial, biologias de instinto e estados de
cio patentes em cada um de nós, colocando-nos na posição pouco
confortável de bichos-humanos, afrontados a assumir nossa natureza
animalesca, que se vê dialeticamente confrontada com o mundo das
ideias, em que o conceito do próprio erotismo se insere.
Somos também moldados por sentimentos,
intimidades, emoções e por libidos que envolvem não só olhares mas
todos os sentidos, invocando percepções corpóreas em totalidade. Somos
corpos e eles têm desejos, fazem sexo, são eróticos, ao mesmo tempo em
que pensam, idealizam e teorizam desejos, sexualidade, erotismo. A
imagem erótica invoca um sentir-pensar que demanda diferentes
estratégias de elucubração, violando categorias de sujeito e objeto,
dentro e fora, o eu e o mundo, humano e animal.
Mais do que bundas, peitos, pênis e
vaginas representados, de modo explícito ou não, o erotismo na arte
deve ser pensado na sua atitude provocadora, na exposição de poéticas
que nos retiram da passividade contemplativa, despertando desejos
dormentes, reflexões interrogativas, atos de transformação, que nos
fazem passar de um estado a outro, da inércia ao jogo sedutor, do
movimento à busca do gozo, atos que nos libertam de uma racionalidade
programada e reclamam à memória a condição de satisfação, a qual pulsa
no seu íntimo sem repressões, em vontade livre e libertária.
Ao retomar obras eróticas em coleções,
reservas, exposições múltiplos aspectos são postos à luz, como os
artifícios de representação do corpo e da libido; a preponderância das
representações do feminino objetificado frente ao predomínio de
artistas masculinos; a pouca exploração das relações homoeróticas; a
impossibilidade de representação visual do gozo feminino; as pulsões
bestiais e violentas exibidas e suas polêmicas; as atitudes de vergonha
na reclusão de obras em reserva ou a condição de uma arte às
escondidas; a repressão moralista que impinge proibições à liberdade de
expressão que vem ultimamente tomando movimentos crescentes e
ameaçadores.
A própria exposição é artifício
primordial de transgressão do que deveria estar velado em termos
moralmente aceitos. O ato de exibir aquilo que desperta um olhar
estético libidinoso perpassa a ideia de perversão, assumindo uma
escopofilia coletiva. A arte se mostra na sua potência “bonitinha mas
ordinária”, como nos lembra Nelson Rodrigues, que também salientou que
“toda nudez será castigada”. Vulgaridade, sacrifício, castigo,
libertinagem tornam-se devires poéticos que ameaçam também os bons
costumes historiográficos, a sacralidade teórica, a religiosidade
pudica da crítica.
O erotismo pode ser pensado como uma
forma de desalojar o conhecimento, arrepiando os pelos dos sentidos,
reacendendo prazeres remotos, excitando epistemologias conformadas,
pondo corpo e mente em desassossego. É nesse sentido que o 38º Colóquio
do Comitê Brasileiro de História da arte convida a uma penetração no
campo, estimulando refletir sobre as provocações, os prazeres, os
incômodos, as transgressões e as zonas erógenas da arte, de seus
criadores e receptores, de suas instituições e de suas narrativas.
Porque “sem tesão, não há solução”.
Comissão
de Organização do XXXVIII Colóquio do CBHA
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Maria de Fátima Morethy Couto (UNICAMP) (presidente)
Sandra Makowiecki (UDESC)
Beatriz Goudard (UDESC)
Francine Regis Goudel (UDESC)
Arthur Valle (UFRRJ)
Luiz Alberto Ribeiro Freire (UFBA)
Marco Antonio Pasqualini de Andrade
(UFU)
Tamara Quírico (UERJ)
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