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  CARLOS ZÍLIO - "Rubens on the beach II, 2007, óleo e bastão de óleo sobre tela, 140x180cm".  
     
 
 
 
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    A pintura Rubens on the beach, de Carlos Zilio, realizada em 2007, contém uma densa conjugação de temporalidades, correspondentes aos muitos momentos que sua opção como pintor já ativou na história do próprio artista e que volta e meia são reativados como memória voluntária, por citação, ou involuntária, por gesto impulsivo. Constata-se, indubitavelmente, o tempo da retomada e opção pela pintura, que nos remete ao ano de 1978, quando em meio a questionamentos sobre a ontologia do gesto artístico, passa a fazer a série de pinturas em que o tempo é assumido como objeto primordial de investigação, o que o leva à relação entre a arte e a antropologia, mas, sobretudo, à relação da arte e da pintura com a história. É nesse momento que Zilio faz a primeira versão de Rubens on the beach, em que verticais vermelhas, tal qual a inquietante e controlada pulsação da pintura de Rubens, se conjugava, por oposição, com a sinuosidade horizontal das linhas negras, ativando a memória de imagens contraditórias, como a situação da arte no Brasil, que ele tão bem conhecia desde sua participação nas históricas exposições Opinião 66 e Nova Objetividade Brasileira, de 1967.  Já na retomada de 2007, a linha alargada e vermelha, como uma dobra sobre o redemoinho de linhas pretas, sublinha e protege o gesto sem fim da forma circular, carregada de tensão, tal qual uma “massa de serpentes moventes”, como escreveu Aby Warburg sobre as imagens temporalmente sobrecarregadas e densamente tensionais. É nessa época que aparecem com mais intensidade as formas de repetição gestual, cuja referência, nomeada pelo artista em uma série de pinturas de 2005 e 2006, são as Banhistas, de Cézanne. Reaparecem, assim, em um tempo de pós-história e pós-modernidade, as mesmas interrogações que Zilio carrega desde que, depois da intensa produção de base conceitual e política dos anos sessenta e início dos anos setenta, em que se destacam a mala e a performance fotografada de Para um jovem de brilhante futuro (1974), opta pela pintura. Recorrendo à dúvida cézaniana, volta-se, com gesto tenso, para o tempo da busca de solução apaziguadora, jamais alcançável, que retorna, como trauma, sobretudo quando as ideologias utópicas modernas se perdem no mundo marcado pelas imagens em profusão, em sua maioria esvaziadas de potência estética transformadora.
A opção pela pintura, como explica o artista, teve como marco duas importantes experiências do período em que se encontrava residindo na França, pressionado pela persistente vigilância da repressão política brasileira, depois de ter ficado dois anos e meio preso por participação em uma organização política clandestina. Foi em Paris que teve a oportunidade de se aproximar melhor da pintura de Jasper Johns, através da retrospectiva de 1977, mas, também, de Cézanne, pela mostra O ultimo Cézanne, organizada por Willian Rubin, em 1978. Entretanto, dessa opção fazem parte, ainda, como memória, a sua história pessoal, que envolvia a efetiva participação nos movimentos de resistência política, assim como a perda de referências para a ação artística em que arte e política estivessem implicadas diretamente. Fez parte, também, dessa opção a memória das condições da arte no Brasil, ativada por sua condição de estrangeiro, que se dedica a refletir sobre a busca da identidade cultural e artística no país “condenado ao moderno”, como escreveu Mario Pedrosa discutindo o que chamou de pós-moderno. Foi a pressão por encontrar diálogo com a história dos fatos artistísticos no Brasil que fez com que Zilio escrevesse, ainda na França, sua tese de doutoramento sobre a modernidade brasileira, mas, sobretudo, que passasse a estabelecer, em pintura, a tensa relação entre passado e presente, que acaba sendo uma diretriz para grande parte de sua produção, e que ele enfrenta, ao mesmo tempo, rigorosa, irônica e, não muito raro, ludicamente.
Depois de uma experiência em que sua vida esteve em risco, retomar a produção de arte só poderia ser uma ação que se configurasse, como escreveu Jacques Rancière, como um jogo. Com o fim do projeto utópico moderno, escreve Rancière, passou-se a tentar novos modos de agir e pensar que apontassem para uma zona de indeterminação acionada pelo jogo, em que as experiências da vida e da arte pudessem encontrar expressão. Pintar pareceu a Zilio, como a Cézanne, esse jogo de reinvenção de si, que é o jogo de reinvenção da arte e da cultura, mas, sobretudo, de reinvenção do tempo, onde se cruzam muitos agoras, como defende Walter Benjamin. Repintar e repintar Cézanne, Matisse, Rubens foi e tem sido, também, repintar sua própria experiência e memória como artista e como pintor, e, assim, como escreveu Georges Didi-Huberman em outro contexto, atingir o “coração dos hiatos de significação”, um projeto talvez ainda utópico, considerando que a utopia tenha deixado de ser aquela teleológica, constituindo-se como uma constelação de pequenas, subjetivas e intensas transformações.
    Sheila Cabo Geraldo
     
     
     
     
     
 
 
     
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